Sumário
1. A origem do universo — sons da criação
2. Rudra, "o estrondoso", e a tradição yóguica do Big Bang
3. O universo sem fim
4. O karma da criação
5. As 84 criações
6. Percorrendo o caminho espiritual
7. Sadhana para limpar a memória das 84 criações

A origem do universo — sons da criação

Sadhguru: Hoje, a ciência moderna prova que a existência como um todo é apenas vibração. Isso não é invenção minha, é um fato científico. Onde há uma vibração está destinado que haja um som. Você não é apenas uma vibração, você é um som. Isso é o que a ciência moderna está lhe dizendo, e, em algum momento, lá trás, alguém lhe disse que "no princípio era a palavra e a palavra era Deus".

O processo da criação não pode prosseguir nem por um instante, a não ser que esteja sendo constantemente auxiliado pela fonte da criação, pois a criação não é algo pronto, ela é um processo contínuo.

Uma palavra é um som. Agora, se eu disser "yes", você está atribuindo um certo significado para isso, pois você conhece o idioma inglês. Se você não conhecesse a língua inglesa, na sua opinião, eu estaria apenas emitindo um som. Se eu falasse em uma língua que você não conhecesse, você naturalmente iria pensar que eu estaria emitindo sons malucos. Você não saberia se eu estaria realmente falando uma língua ou inventando algo sem sentido. Então, a palavra é apenas um som.

Nesse contexto, eles disseram que a palavra é Deus, porque qualquer um que tenha observado a existência de perto pôde observar que o que você chama de criação e o que você chama de criador não podem estar separados. Se você os separar, a criação deixará de existir. O processo da criação não pode prosseguir nem por um instante, a não ser que esteja sendo constantemente auxiliado pela fonte da criação, pois a criação não é algo pronto, ela é um processo contínuo. Como a criação poderia ser um processo contínuo sem o envolvimento da fonte da criação? Ela está constantemente envolvida. Ela não pode ser separada, e é por isso que eles disseram "no princípio era a palavra". Isso significa que, quando o criador começou a se manifestar, a partir do não manifestado, a primeira coisa que aconteceu foi o som. Até mesmo os cientistas concordam que houve um grande estrondo. Um estrondo significa um som.

Rudra, "o estrondoso" e a mitologia yóguica do Big Bang

Deixe-me lhe contar como o yoga explica a criação vinda de dentro. Esta é uma cultura dialética. Eu poderia colocar tudo num abecedário, se você quiser, mas vamos apreciar a cultura. Há uma certa beleza na terminologia. Por eu estar falando de uma dimensão que não está na nossa percepção lógica, é melhor falar de forma dialética. A história começa assim:

Shiva está dormindo. Quando dizemos "Shiva", aqui, não estamos falando da pessoa ou do yogi. "Shiva", aqui, refere-se "àquele que não é", àquele que é nascente. "Aquele que não é" só pode estar dormindo, e sempre se referiram a ele como "aquele que é escuro".

Enquanto Shiva dormia, Shakti veio em busca dele. Ela queria que ele acordasse, pois ela queria dançar e brincar com ele. Ela queria cortejá-lo. Inicialmente, ele não acorda. Depois de algum tempo, ele acordou. Qualquer um que esteja em sono profundo, se você acordá-lo, ele vai ficar levemente irritado. Se você estivesse em sono profundo e alguém viesse e te acordasse, não importaria quão bela esta pessoa fosse, você ficaria zangado. Então ele se zangou, fez um estrondo e se levantou. Esta é a razão pela qual a sua primeira forma, e seu primeiro nome, é Rudra. A palavra "rudra" significa "aquele que ruge". O primeiro e único Deus que existiu na cultura indiana foi Rudra. Rudra literalmente significa "aquele que ruge" — um rugidor. Eles o chamaram de Rudra, pois, no começo da criação, houve um rugido. Os cientistas chamam isso de bang, e os cientistas também estão dizendo que, da mesma forma que houve um Big Bang, é possível que, um dia, um Grande Colapso aconteça. Esse seria o processo inverso do Big Bang, que irá arruinar tudo, aqui e agora.

Alguns cientistas dizem que houve uma série de bangs, e não apenas um bang. A ciência sempre acreditou que tudo tem um começo e um fim, mas, agora, os físicos estão se referindo a um universo sem fim. Essa é uma teoria popular em curso entre a comunidade científica atualmente, que propõe que o universo possa ser interminável.

O universo sem fim

Paul Steinhardt, que é o Diretor do Centro de Ciências Teóricas da Universidade de Princeton, escreveu um livro chamado "Universo Sem Fim". Tive um encontro com Paul Steinhardt e, durante a nossa conversa, eu perguntei a ele: "É possível que não tenha sido um estrondo, e sim um rugido, um rugido contínuo?".

"Ao olhar para o meu sistema, eu estou lhe dizendo que a criação rugiu 84 vezes e vai rugir mais, muitas vezes mais".

Ele pensou sobre isso, ponderou vários aspectos e então disse: "É possível. Talvez não tenha sido só um estrondo, foi um rugido. Isso não aconteceu em um instante, mas o rugido durou um certo tempo e, lentamente, a criação começou a acontecer". Eu perguntei: "Quantas vezes você acredita que poderia ter rugido?". Ele disse: "Não podemos dizer isso, porque não temos como saber quantas vezes, mas, obviamente, rugiu mais de uma vez". E eu disse: "Algum dia, se a sua pesquisa lhe conduzir para essa direção, mantenha isso como um parâmetro. Ele rugiu 84 vezes". Ele perguntou: "Como você sabe? Baseado em que você diz isso?". Eu disse: "Ao olhar para o meu sistema, eu estou lhe dizendo que a criação rugiu 84 vezes e vai rugir mais, muitas vezes mais". Irá rugir num máximo de 112 vezes. Quando rugir pela última vez, não haverá começo nem fim, será uma criação perpétua.

Isso está muito distante, mas, eu lhe disse "mantenha este número 84 como uma espécie de parâmetro. Você possui os equipamentos e a matemática, você aprendeu muitas coisas, trabalhe nisso e, um dia, se você chegar a algum número, você chegará a esse número 84". "Como isso é possível?", ele perguntou. Eu disse: "Se você pegar uma árvore que foi cortada, as pessoas olham os anéis do tronco da árvore e descrevem como, nos últimos mil anos, ocorreu uma seca, ocorreu um excesso de chuva ou ocorreu uma queimada. De forma semelhante, se você cortar o sistema humano com a sua consciência, a própria história dessa criação está escrita nele. A criação rugiu 84 vezes".

Este é o 84.º ciclo e ele vai continuar acontecendo até alcançar o 112.º. Apenas 112 podem acontecer no total. Os outros dois são não físicos. As 112 criações serão de natureza física. As últimas duas serão criações perpétuas. Ou seja, após a 112.ª, a próxima criação acontecerá em condição semifísica, não em condição física. Esta será a número 113. Depois dela, a número 114 é uma criação completamente não física, uma não coisa, que, neste momento, não se manifestou. Uma não coisa se manifestará da maneira mais sutil possível. É isso que o yoga diz. Shiva rugiu 84 vezes e ele rugirá 112 vezes. Depois disso, ele não irá mais rugir. Ele se retirará. Isso significa que o nada será um universo. Não será existência física.

Baseado nisso, pelo fato de você viver e existir na 84.ª criação e você ter 84 chakras de uma certa natureza, o yoga desenvolveu 84 asanas ou posturas. Existem 112 tipos diferentes de meditação, mas 84 asanas básicos, pois 84 dizem respeito às memórias passadas. O resto é o futuro.

Das 84 criações, 83 já aconteceram e esta aqui, a 84.ª, ainda está acontecendo. Assim como a criação é contínua, a dissolução também é contínua. O processo de dissolução começa para algumas criações e elas começam a se dissolver. Dessas 84 criações, 20 ainda estão em níveis diferentes de dissolução, enquanto as outras foram completamente obliteradas. Você só consegue vê-las em sua consciência, observando esta criação, pois, de certa forma, ela contém os resíduos, ou a experiência, de tudo aquilo.

O karma da criação

Assim como você carrega a sua experiência de vida em tudo o que faz, o processo da criação também está carregando a experiência de todas as criações passadas para a próxima, apesar de poderem ser completamente diferentes. Digamos que você costumava jogar futebol na escola, 25 anos atrás. Acontece que, de repente, você tem 45 anos agora, e um ladrão entra na sua casa. Você vai chutar o ladrão como a uma bola de futebol, não como um chute de karatê ou um chute do Kalaripayattu ou outra coisa qualquer. Porque o seu jogo de futebol, que foi completamente esquecido, ainda está em algum lugar no seu sistema e ele reaparece.

Pode ser que você tenha jogado futebol por apenas três meses, no entanto, os resíduos dessa experiência ainda estão enraizados em algum lugar em você, e isso se expressa em algum outro lugar, em um espaço completamente diferente. É dessa forma que você está crescendo o tempo todo. É isso que chamamos de karma.

Estamos falando do karma individual, mas também existe o karma universal. Existe o karma da própria criação, porque a própria criação é um karma. O ato da criação — isso não é um ato? "Ato" significa "karma". Os resíduos do karma estão sempre se movendo para a próxima fase e para o próximo nível da criação.

Dessa forma, 83 criações aconteceram no total e a 84.ª está acontecendo. Muitas das mais antigas conseguiram se dissolver completamente. Elas existem apenas em termos de uma impressão experiencial na seguinte, no entanto, elas não estão mais vivas. Porém, as 20 anteriores ainda possuem diferentes níveis de status de vivacidade. Algumas se tornaram muito, muito tênues; outras estão um pouco mais fortes; algumas estão bem mais fortes; outras estão praticamente tão reais quanto essa, mas elas estão no processo de dissolução, o que quer dizer que um processo ativo de criação não está acontecendo para elas.

As 84 criações

Quando você era criança, digamos que você, em um ano, produzia cem bilhões de células. Quando você fez 35 anos, isso diminuiu um pouco. Quando você fez 45 anos, diminuiu um pouco mais. Quando você chegou aos 55 anos, diminuiu mais ainda, e, com 75 anos, diminuiu ainda mais. Chega um momento onde o que morre é maior do que o que você consegue repor. É assim que o envelhecimento acontece. Exatamente o mesmo processo está acontecendo com a criação.

Quando olhamos para alguém e dizemos "karma", estamos dizendo apenas que a pessoa está permitindo que o seu passado se torne o seu futuro.

A dissolução está sempre acontecendo. Até mesmo nesta criação, a dissolução está sempre acontecendo, mas novas criações estão acontecendo, então ela está ativa de forma vibrante. Quando a nova criação for diminuindo e cessar, durante um período, acontecerá apenas dissolução. Então, depois de um certo tempo, sobrarão somente as impressões da memória, nenhuma impressão viva permanecerá. Neste sentido, apenas 21 criações ainda possuem alguma forma de existência. As outras 63 criações restantes se foram completamente. Você não consegue vê-las em lugar algum, mas você consegue vê-las como impressões da memória dentro do seu próprio sistema, pois, tanto essas impressões como essa experiência, ainda estão aqui.

A criação é a coisa real. Todo o resto está ativo em ordem regressiva. Na criação atual, existem duas — uma é a fisicalidade, que carrega a memória de tudo; a outra é a fonte da criação, que é a base do futuro. Quando você permite que o seu passado se torne o futuro, nós te olhamos e dizemos "esse é o seu karma". Isso significa que você está permitindo que o seu passado seja o seu futuro. Não há nenhuma possibilidade nova em você. Quando olhamos para alguém e dizemos "karma", estamos dizendo apenas que a pessoa está permitindo que o seu passado se torne o seu futuro. Realmente não há futuro para ela, aquilo irá se repetir.

Percorrendo o caminho espiritual

Quando você diz "eu estou percorrendo um caminho espiritual", em um nível, o que você está declarando é que você não quer que o passado se repita como futuro, você quer que a sua vida siga adiante. Você não quer fazer parte do ciclo. Quando dizemos "esse é o karma dele", isso é o que estamos dizendo, "ele não vai chegar a lugar algum", porque apesar de ele estar andando em círculos, ele acredita que é uma nova jornada. Contudo, só é uma nova jornada porque ele tem uma memória muito curta.

Todos estão em estado de demência. Eles não se lembram do que aconteceu antes do ventre de suas mães. Então, toda vez que eles passam por isso, parece ser novidade. É como andar numa esteira rolante. Parece que você está indo para algum lugar, mas você não está — isso é karma.

Então, essa dimensão para a qual você está olhando agora, tem dois níveis — um aconteceu, o outro está acontecendo, e 83 delas já aconteceram. Se você quiser falar em termos numéricos, a 83.ª aconteceu e ainda está acontecendo de forma residual. É como o seu nascimento que aconteceu e ainda está acontecendo. A sua morte também aconteceu e ainda está acontecendo. A sua morte é uma conclusão antecipada, ela já aconteceu. No momento em que você nasceu, você deu o seu primeiro passo em direção à morte, mas isso ainda está acontecendo. Você está aguardando para que se complete ou você quer atrasá-la, mas ela está acontecendo e já aconteceu.

Existe uma outra dimensão dentro de você na qual nem o nascimento acontece, nem a morte acontece. Somente se você tocar essa dimensão, você terá algo chamado de futuro. Do contrário, você só terá karma. Karma significa que você está repetindo o seu passado como futuro. Você pode estar mudando as cores, você pode estar mudando o estilo de como você o faz, mas isso continua sendo a mesma coisa, nada de diferente. Você continua fazendo as coisas que os homens das cavernas faziam.

Sadhana para limpar a memória das 84 criações

Essa memória é uma âncora. Você jogou uma âncora e está tentando mover o seu barco — na melhor das hipóteses, ele só poderá ir em círculos. Com o sadhana espiritual, estamos tentando tirar a âncora ou cortar a corda que nos prende à âncora, para que, quando dermos a partida, o barco se mova.

Quando você pratica sadhana, você está tentando cortar tudo, pois, sem cortar a sua âncora, você não vai seguir em frente.

Todo o sadhana espiritual é baseado nisso — você quer se libertar. Liberdade não significa que você tenha que esquecer, mas você tem que se tornar livre da memória que te regra. A memória não está apenas na sua mente. Todas as células do seu corpo carregam memória. Isso está muito claro para nós — através da ciência genética e de outras coisas — que você está carregando a memória dos seus antepassados e você ainda se comporta como eles.

Existem muitos aspectos no corpo que dizem, claramente, que a memória dessas 84 criações ainda está no seu corpo. Ela está presente em todos os átomos da existência. Você quer limpar isso da memória, porque essa memória te cega, não te deixa ir, mas, ao mesmo tempo, essa memória lhe dá um sentido de pertencimento. Quando você pratica sadhana, você está tentando cortar tudo, pois, sem cortar a sua âncora, você não vai seguir em frente. É essa memória que deu integridade e estabilidade ao seu corpo; ela deu a estrutura de quem você é agora. Esse corpo não poderia ser criado sem essa memória. Sem a memória de um animal unicelular dentro de você, sem toda aquela informação ter sido carregada pelo processo evolutivo, esse corpo não poderia se estruturar e se manter inteiro.

A memória não é sua inimiga, é apenas que você não sabe manuseá-la. Você está nela, esse é o problema. Agora você quer sair dela. Você quer fazer uso da memória, mas você não quer ser usado por sua memória — esse é o sadhana espiritual. Você quer ter um futuro que seja diferente do seu passado.

Orion Nebula from Wikipedia